quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A reeducação de adultos

Por causa da greve dos professores universitários ano passado, o calendário acadêmico foi alterado e tivemos aulas em períodos nos quais costumávamos estar de férias. Assim, em janeiro deste ano, o meu segundo semestre do curso de Artes, na UFBA, estava a todo vapor. Eu e outros quatro colegas marcamos uma reunião de equipe na área externa de um shopping center para discutir o trabalho que apresentaríamos duas semanas depois. Como de costume, o quórum foi baixo. Apenas eu e um colega fomos ao encontro. Ele me apresentou o trabalho que fazia para uma outra disciplina e conversamos sobre assuntos diversos. Em um deles, tive que corrigir o gênero utilizado para se referir ao meu namorado. Como se sabe, é culturalmente estabelecido que um "homem" deve se relacionar com uma "mulher". É o comportamento esperado, tido como padrão. Eu usava aliança na mão direita e falávamos de relacionamentos, então tive de modificar o gênero que ele havia mencionado, explicitando a minha orientação sexual -- se é que ele ainda não havia percebido. A partir deste momento, ele pediu licença para me fazer algumas perguntas que julgava pessoais.

As perguntas que se seguiram denotaram muita curiosidade. Meu colega aparenta ter entre 35 e 40 anos de idade, negro, morador de bairro popular, policial militar, músico e está fazendo o seu primeiro curso de graduação. Ficou bastante claro o desconhecimento e a imagem convencional por trás das indagações. Lembrou-me uma criança fazendo descoberta, ávida por novidade. Mas se tratava de um adulto, com personalidade e (pré-)conceitos formados.


Estas foram as perguntas feitas, sem acrescentar nem remover uma palavra:
  • Quando você decidiu ser homossexual?
  • Você nunca gostou de mulher?
  • Como é o preconceito social?
  • Você e seu namorado tem a mesma relação de sentimento, carinho e tesão que um homem tem por uma mulher?
  • Como você leva a sua vida?
Entre perguntas e respostas, seguiram-se comentários ainda mais carregados de preconceito, tais como:
  • Ele afirmou admirar homossexuais pela coragem que tiveram de querer ser assim, mesmo eu já tendo dito que não foi uma decisão, assim como a sua orientação heterossexual.
  • Assim como o "swing baiano" -- como ele denomina o pagode, excluindo daí as músicas pejorativas produzidas --, o homossexualismo (sic) também tem suas divisões. Por exemplo, ele detesta as bichas espalhafatosas (sic), relacionando tal comportamento a falta de educação.
  • Ele afirmou também não gostar da promiscuidade de alguns homossexuais.
Opto por não transcrever minhas respostas e comentários. Nelas, tentei ser o mais didático possível, apesar de não me alongar muito nas explicações. Não almejei desconstruir preconceitos, pois não era possível fazê-lo numa conversa rápida e informal na varanda de um shopping. Confesso que tenho tido pouca paciência para fazer isso ultimamente. Mostrei os erros que cometera, mais para aguçar a sua curiosidade, fazê-lo buscar conhecimento. Aquele era um contato inicial, que pode ter sido o primeiro de muitos que ele terá na universidade, com muitos outros colegas de diferentes orientação sexual e gênero, além de discussões levadas por professores. Penso que, como ele, existem muitos outros adultos na universidade precisando ser reeducados. A oportunidade está aí. A minha contribuição está sendo dada.

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